Amizade
estelar. – Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro.
Mas está bem que seja assim, e não vamos nos ocultar e obscurecer isto,
como se fosse motivo de vergonha. Somos dois barcos que possuem, cada
qual, seu objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos
uma festa, como já fizemos – e os bons navios ficaram juntos
placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol, parecendo haver chegado a
seu destino e ter tido um só destino. Mas então a todo-poderosa força
de nossa missão nos afastou novamente, em direção a mares e quadrantes
diversos, e talvez nunca mais nos vejamos de novo – ou talvez nos
vejamos, sim, mas sem nos reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos
modificaram! Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é a
lei acima de nós: justamente por isso devemos nos tornar também mais
veneráveis um para o outro! Justamente por isso deve-se tornar mais
sagrado o pensamento de nossa antiga amizade! Existe provavelmente uma
enorme curva invisível, uma órbita estelar em que nossas tão diversas
trilhas e metas estejam incluídas como pequenos trajetos – elevemo-nos a
esse pensamento! Mas nossa vida é muito breve e nossa vista muito
fraca, para podermos ser mais que amigos no sentido dessa elevada
possibilidade. – E assim vamos crer em nossa amizade estelar, ainda que
tenhamos de ser inimigos na Terra.
Friedrich Nietzsche NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Tradução, notas e prósfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 189-190. Título original: Die fröhliche Wissenschaf. La gaya scienza.
Friedrich Nietzsche NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Tradução, notas e prósfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 189-190. Título original: Die fröhliche Wissenschaf. La gaya scienza.
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