"(...) não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver"

Eu, fichada

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filha de dois pais: um fugitivo, o outro desaparecido. Fala alto e ri alto, é curiosa, acredita mais nas causas do que nas pessoas, soluça e lava a alma quando chora, deseja saber muitas palavras, ainda sobe em árvores tortas do Planalto Central, usa reticências redundantes, tenta disfarçar a grosseria, sai pela tangente, vive entre tapas e beijos.

cambada

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Bela


“Eu sei o que vejo e vivo
Para encurtar estradas
Regressar na primavera
e encontrar a casa aberta
Ninguém se afasta tanto assim
Espero um recomeço para mim
Não há tristeza nas janelas
E as flores são verdadeiras
Eu não tenho paraíso pra te oferecer
No fim da viagem
No fim desse rio
Um oceano nos espera”

(Paraíso, Nenhum de Nós)

Ela vem pra mim. E não posso deixar que ela venha sem que eu lhe dê atenção já à porta, com o coração na mão - sempre com o coração na mão -, esperando humildemente que o poder que rebenta as coisas vernais me traga a paz podre nas brisas, chuvas, cores, cheiros de primavera que, não sei de que jeito, reduzem minhas impressões e elevam os meus sentimentos.
Promessas cheias de primavera.

Espero ver os sorrisos olhando para os ipês pomposos, meus amores encontrando paixões, desatando nós. Anseio pelos sopros das crianças despedaçando dentes-de-leão. Meninas e meninos entre lírios ou astromélias.

Eu quero as gérberas.

Também quero que os conflitos, as lutas, perturbações e violências da minha alma cessem, que o Sol, cortando o equador celeste, faça a lua brilhar muito, para que aqui da janela dos meus olhos perdidos no rosa que realça e ilumina o céu a este,  eu veja um mundo feito só de amor.



Agora, Clarice:


Eu sei o que é primavera

Bem sei que é uma vaidade dizer em plena primavera que eu sei o que é primavera. Às vezes porém sou tão humilde que os outros me chamam a atenção. É uma humildade feita de gratidão talvez excessiva, é feita de um eu de criança, de susto também de criança. Mas, desta vez, quando percebi que estava humilde demais com a alegria que me era dada pela vinda da primavera chuvosa, dessa vez apossei-me do que é meu e dos outros.

Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar, que talvez seja o meu próprio pólen, sinto estremecimentos à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou viva. A primavera torturante, límpida e mortal que o diga, ela que me encontra cada ano tão pronta para recebê-la. Bem sei que é uma perturbação de sentidos. Mas, por que não ficar tonta? Aceito esta minha cabeça à chuva tremeluzente da primavera, aceito que eu existo, aceito que os outros existam porque é direito deles e porque sem eles eu morreria, aceito a possibilidade do grande Outro existir apesar de eu ter rezado pelo mínimo e não me ter sido dado.

Sinto que viver é inevitável. Posso na primavera ficar horas sentada fumando, apenas sendo. Ser às vezes sangra. Mas não há como não sangrar pois é no sangue que sinto a primavera. Dói. A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido.


LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 143.

3 comentários:

CB disse...

Uma das tristezas do nosso século (que possui outras indiscutíveis vantagens) é o ser humano artificial que o progresso obriga que sejamos.

O homem artificial que ignora os ciclos da vida, a quem não adianta perguntar em que fase da lua se está agora.

Ele simplesmente ignora que fora do seu mundo artificial exista uma natureza pulsante que o influencia.

Em eras passadas a lua, as estrelas e as estações do ano tinham uma participação efetiva na vida das pessoas nos dois hemisférios. Em pouco tempo teremos que nos cadastrar em um sistema push para saber se será dia ou noite.

Felizmente, as fernandices, mil vezes sutis, ainda estarão aqui para nos lembrar da vida...

Um forte abraço e obrigado!

CB (Cabuloso?) disse...

Em tempo: um dia eu terei um blog só meu e ele terá um belo favicon, assim como os seu...

Amanda Beatriz disse...

a primavera me liberta. parece que todos os medos e angústias vão embora. p/ mim a melhor estação. a mais feliz e colorida. aquela que me alegra a alma. e ela chegou!
beijo.